Nota da Asduerj e de seu Conselho de Representantes acerca dos Projetos de Lei nº 2419/2020 e nº 2421/2020 encaminhados à Alerj pelo Poder Executivo do Estado do Rio e Janeiro

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A Asduerj vem a público manifestar o repúdio ao Projeto de Lei nº 2419/2020, que dita sobre a retomada do Programa Estadual de Desestatização, onde se incluem as universidades públicas, fundações de ciência e tecnologia e de assistência social, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro (CECIERJ) e a Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), Fundação Leão XIII, a Fundação Para a Infância e Adolescência (FIA/RJ); e o Projeto de Lei nº 2421/2020, que dita sobre a inclusão dos inativos e pensionistas no cômputo do percentual mínimo a ser direcionado à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Cabe ressaltar o quanto foi inoportuna a ação do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro ao encaminhar os referidos Projetos de Lei à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), em plena crise sanitária, quando na maioria dos outros países acometidos pela crise, o que se nota, são medidas que realçam a importância do poder público neste momento tão delicado, a despeito de toda a agenda neoliberal que já vinha se desenvolvendo nestes países. Enviar esses Projetos de Lei à Alerj representa um duro golpe à educação, à ciência e à tecnologia do estado do Rio de Janeiro e, sobretudo, uma medida oportunista, para com os nossos aposentados e pensionistas.

Embora o governador venha se esforçando para se desvencilhar da imagem da parceria construída com o Presidente Jair Bolsonaro na sua campanha à governador, naquilo que se refere especificamente à política econômica do estado, não há qualquer diferença. O estado do Rio permanece amarrado ao caos financeiro, tomado pela ampliação do endividamento público previsto pelo Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Neste sentido, a política econômica de Paulo Guedes e de Wilson Witzel têm mais congruências que descompassos: a retórica de “Estado Mínimo” é a mesma, lá e cá.

A saída apontada pelo governador não altera o quadro observado nos últimos governos do estado do Rio de Janeiro. Wilson Witzel ratifica o pacote de isenções fiscais sem qualquer revisão do mesmo, além de chancelar, a partir da interlocução que tem com o fórum de governadores, a ampliação do período de vigência do Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Esta política econômica sangra os cofres públicos e impede que demandas sociais urgentes sejam colocadas em prática, especialmente, no curso da crise sanitária. Neste sentido, é grave não só a narrativa que inclui aposentados e pensionistas no mínimo constitucional de 25% das receitas de impostos para o custeio da educação, que, evidentemente, sufoca, ainda mais, a pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI); mas também a insistente retórica de crise financeira como justificativa para ações na contramão do que é necessário para superar a própria crise.

Rechaçamos também a versão irrealista e de fácil repetição trazida pelo Poder Executivo, a partir das mensagens enviadas à Alerj, de que os servidores públicos da ativa são privilegiados quando comparados aos aposentados e pensionistas. O compromisso público com o conjunto dos servidores, o que inclui os aposentados e pensionistas, que deram suas vidas pelo serviço público, tem que prevalecer. Ademais, é completamente descabido mexer no orçamento destinado a aposentados e pensionistas justamente neste momento, quando já se sabe dos trabalhos de duas importantes Comissões Parlamentares de Inquérito (a do Rioprevidência e a da Crise Fiscal), que acontecem, paralelamente, na Alerj, além da notória predisposição do governo para tocar a reforma da previdência no estado.

Vale lembrar ainda que a Asduerj tem acompanhado o trabalho das Comissões de Educação e de Ciência e Tecnologia, da Alerj. Não são poucos os ataques às universidades públicas estaduais desde que se estabeleceu a crise sanitária. Aquele que impõem os cortes orçamentários; aquele que diz respeito às propostas de Projetos de Lei voltados à educação remota (Proposta de Projeto de Lei 2036/2020); e agora estas duas últimas propostas de PL encaminhadas pelo Poder Executivo sobre a retomada do Programa Estadual de Desestatização e da inclusão dos aposentados e pensionistas no mínimo constitucional das receitas de impostos para o custeio da educação.

Na reunião conjunta das Comissões de Educação e de Ciência e Tecnologia da Alerj, realizada, remotamente, no dia 13/4/20, estavam presentes alguns deputados; o presidente da Faperj; o secretário da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, Leonardo Rodrigues; as representações das reitorias das universidades públicas; além das representações sindicais e dos estudantes. Nesta reunião, foi desenhado pelos agentes públicos presentes, um cenário muito ruim para a economia do estado diante da crise sanitária. O deputado Luiz Paulo (PSDB), que preside a Comissão de Tributação, da Alerj, ressaltou a possibilidade de queda de 40% na arrecadação de ICMS, além de perdas relacionadas à arrecadação com os royalties em decorrência do baixo preço do barril de petróleo no mercado internacional. Destacou ainda que as expectativas de queda do PIB estadual estão estimadas na ordem de 4,6% (índice muito parecido com o que se deu na crise de 2015/2016 [4,4%]). Asseverou, portanto, a importância da imediata suspensão dos serviços da dívida para o estado do Rio de Janeiro neste momento. Por fim, Luiz Paulo destacou a inciativa, junto a outros deputados da Alerj, na proposição do PL nº 2322/2020, cuja matéria visa disciplinar o orçamento a partir da crise sanitária, dando mais transparência as inflexões econômicas propostas pelo governo do estado do Rio de Janeiro.

Nesta reunião também foi trazida a perspectiva de contingenciamento do orçamento das universidades estaduais e a urgência de normatização e disciplinamento dos seus respectivos repasses (duodécimos), dispositivo que poderia dar mais autonomia às universidades.

Toda a sorte de problemas colocados acima nos remete a situação que amarra os entes da federação à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cujo estado do Rio de Janeiro tem investimento pioneiro no que tange aos seus desdobramentos a partir da criação do Regime de Recuperação Fiscal.

Urge, portanto, algum tipo de reparação aos estados daquilo que sobrou do pacto federativo consagrado pela constituição de 1988. A Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996), por exemplo, parecia ser uma saída emergencial para os estados, e, particularmente, para o estado do Rio de Janeiro, cujo aumento de arrecadação do ICMS no período 2009/2015 foi estimado em 55 bilhões. Mas estrangulado pelo RRF e seguindo na contramão das soluções alternativas, a Lei Complementar nº 171/2019, sancionada por Jair Bolsonaro (a nova Lei que modifica as regras da Lei Kandir), acabou restringindo o aproveitamento de créditos do ICMS. Nos casos de energia elétrica, comunicações e mercadorias para uso ou consumo (os insumos) para empresas, a lei anterior previa a utilização dos créditos a partir de 1º de janeiro de 2020. Com a nova lei, a abertura fica adiada para 1º de janeiro de 2033. O debate atual se dá em torno do recebimento/não recebimento dos créditos. Esse também é um assunto que deve ser tratado pela Comissão de Tributação da Alerj. Alega-se, contudo, por parte dos governadores, perdas na ordem de R$ 31 bilhões. Para os servidores públicos, o que se revela é uma acentuada política de desfinanciamento da máquina pública, com a retirada de direitos em tempo recorde.

Outra iniciativa que tenta caminhar no sentido de estancar o desastre provocado pelo cerco fiscal imposto pela União aos estados é a dos governadores dos nove estados do Nordeste, que se reuniram no dia 14/3/20, em São Luís, para assinar o protocolo que cria o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (Consórcio Nordeste). Estiveram presentes no encontro, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); do Piauí, Wellington Dias (PT); do Ceará, Camilo Santana (PT); do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT); de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); da Paraíba, João Azevedo (PSB); o vice-governador de Alagoas, Luciano Barbosa (MDB); de Sergipe, Belivado Chagas (PDT) e da Bahia, Rui Costa (PT). A união entre os nove estados prevê o desenvolvimento em diversos projetos, além da parceria econômica, política, infraestrutural e educacional entre as unidades federativas. O Consórcio Nordeste deve atuar em dez pontos principais.

Salta aos nossos olhos o documento divulgado, no último dia 22/4/20, pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, ligada ao governo Federal. O documento intitula-se como “A reconstrução do Estado”, mas poderia, sem muita dificuldade, ser interpretado como “A destruição do Estado”. Apenas pelo nome da dita secretaria e pelo título do referido documento, já podemos vislumbrar as verdadeiras intensões dos governos Federal e Estadual, para lidar com os efeitos da crise sanitária.

É fácil percebermos a mesma linguagem de ‘Estado Mínimo’ embutida no discurso de André Moura, secretário da Casa Civil do governo do estado do Rio de Janeiro, em reportagem divulgada pelo jornal O Dia, no dia 21/4/20. O secretário negou que o governo esteja discutindo privatizações das universidades, entretanto, defendeu a retomada do Programa Estadual de Desestatização e Planos de Demissão Voluntária (PDV) como dispositivos para enxugar a máquina pública.

Em que pese todos os ataques às universidades públicas, cabe enaltecer suas inúmeras contribuições no âmbito das ações de ensino, da pesquisa e da extensão, no curso do difícil período pelo qual atravessa o estado do Rio de Janeiro diante da crise sanitária. Dentre elas, podemos destacar as ações do complexo de saúde da Uerj, especialmente no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) e na Policlínica Piquet Carneiro (PPC), unidades de assistência à saúde, ensino, pesquisa e extensão. O Hupe que, além de já se constituir em uma importante referência no tratamento de doenças de média e alta complexidade no Estado, também vem movendo esforços para atender a crescente demanda de atendimentos às pessoas acometidas pelo Covid-19. Como também da Policlínica Piquet Carneiro (PPC), que se tornou uma das unidades de referência para avaliação clínica e testagem dos profissionais de Saúde de todo o estado do Rio de Janeiro para Covid-19, como também para o treinamento desses profissionais para correta paramentação e desparamentação dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como também o treinamento de médicos e fisioterapeutas para intubação de pacientes com Covid-19.
Outra grande contribuição dada pelas universidades públicas, por seus pesquisadores e alunos, é a do laboratório de estudos de Dinâmicas Ambientais e Geoprocessamento (Dageop), da Faculdade de Formação de Professores (FFP), unidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), situada em São Gonçalo, onde estão sendo criados mapas e gráficos sobre o avanço do Covid-19 na cidade de São Gonçalo. Com base nos resultados do último censo (2010), foi elaborado um mapa espacializando o quantitativo de pessoas acima de 60 anos no município. Os dados são divulgados diariamente nas redes sociais e no site do Dageop, a fim de levar à população maiores informações sobre a concentração do vírus na cidade.

A crise sanitária é gravíssima e as universidades têm muito a contribuir para sua superação. Por isso, esta nota é mais que uma defesa corporativa. Muito além da pandemia, as universidades, quotidianamente, reafirmam sua importância para o país. Contra uma rotina de ataques, descumprimento de garantias, tentativas de desacreditar a ciência, a literatura, as artes, e, sobretudo, seus profissionais, as universidades seguem sustentando que a sociedade pode se desenvolver e incluir de forma justa, com liberdade e criatividade. Se essa não for a prioridade no uso de recursos públicos, todos perdemos. É preciso que o governo do estado do Rio de Janeiro se livre de suas semelhanças nefastas com aquele que conduz o executivo Federal.

Colocado o cenário de grandes dificuldades, a direção da Asduerj, assim como seu Conselho de Representantes, torna público o seu repúdio à toda e qualquer tentativa de atacar as universidades públicas no curso da hecatombe social provocada pela crise sanitária. Pela garantia ampla e irrestrita dos serviços públicos à população! Pela efetiva autonomia universitária! E pela Ciência e Tecnologia como instrumentos a serviço da emancipação humana.

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