Professores da Uerj estão há três meses sem salários. Não se trata aqui de uma retrospectiva do auge da crise vivida em 2017, mas de uma situação que acontece hoje com muitos professores substitutos da universidade.
São docentes contratados para lecionar a partir do segundo semestre de 2019 e que por uma falha administrativa – ainda não devidamente apurada – tiveram suas documentações extraviadas durante o trâmite burocrático de contratação.
A situação reflete de forma exemplar o agravamento da precarização das relações de trabalho destes docentes na Uerj. Uma constatação que levou a diretoria da Asduerj a propor a criação de um Grupo de Trabalho dos Professores Substitutos, aprovada em Assembleia Docente no dia 13 de novembro.
Nesta segunda-feira, 16/12, aconteceu a primeira reunião deste GT, com uma expressiva participação de docentes de unidades e campi diversos. Os constantes atrasos, a remuneração irrisória, a inexistência de direitos trabalhistas básicos e a falta de transparência nas informações foram alguns dos temas abordados no encontro.
“O que acontece na Uerj hoje é incomparável. Não vemos nada parecido em outras universidades”, afirma a diretora da Asduerj Amanda Moreira. Professora do CAp – uma das unidades com maior número de substitutos –, Amanda tem como objeto de pesquisa a precarização do trabalho docente. Segundo ela, as condições do professor substituto na Uerj são de um trabalho semi-voluntário. “Estamos transformando uma relação trabalhista num vínculo com total insegurança, que interfere inclusive na qualidade do ensino que se está oferecendo aos alunos”, define.
Erros administrativos deixam docentes sem pagamento
Atualmente professora substituta da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (Febf), Michele Souza da Silva (foto) trabalhou como contratada na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entre junho e dezembro de 2018. “A diferença de tratamento é enorme”, descreve:
– Entrei em um mês, na UFRRJ, e no outro já estava recebendo o meu pagamento. O salário base era igual ao do professor com a mesma titularidade. Tinha acesso pelo sistema ao contracheque todo mês. Recebia auxílio-transporte e alimentação incorporados ao meu vencimento e, quando meu contrato foi rescindido, me pagaram o proporcional de férias e do 13º.
Na Uerj, Michele é uma das docentes que está sem receber desde que foi contratada. “Como assinei no dia 20 de agosto, não esperava mesmo receber no mês seguinte. Mas quando chegou em outubro, também não recebi. Fui ao Departamento Financeiro (Defin) saber o motivo. Recebi a resposta de que não estava cadastrada”, relata.
Michele levou o caso ao chefe do seu departamento, que comunicou o ocorrido ao diretor da Febf, professor Luciano Aragão. “O diretor nos solicitou que lhe passássemos novamente toda a documentação e se dispõs a entregá-la de novo pessoalmente à Administração Central da Universidade. Só hoje, na reunião do GT, tivemos a confirmação do extravio da documentação enviada originalmente”, afirmou a docente. Segundo informações obtidas pela Asduerj, o fato impediu o pagamento de pelo menos 19 professores substitutos de diferentes unidades acadêmicas.
Desafios administrativos e luta política
Para o diretor da Asduerj Otávio Leão, é preciso diagnosticar que problemas estão relacionados aos departamentos, quais estão relacionados à Superintendência de Recursos Humanos (SRH) e quais à Comissão Permanente de Carga Horária e Avaliação Docente (Copad). “É necessário mapear bem o problema”, avalia.
O dirigente da Asduerj, que já foi chefe de departamento na Faculdade de Formação de Professores (FFP), sugeriu durante a reunião uma separação das questões relativas à precarização do professor substituto na Uerj. Segundo ele, há duas dimensões do problema. “Existe uma questão política que é a valorização do profissional. Mas há também os entraves administrativos”, resume.
– Melhorar a remuneração, trazer o professor substituto para as atividades de pesquisa e extensão, além das de ensino. Esse é um debate político que teremos de tratar no GT da Asduerj, no Consun, onde for necessário. No entanto, isto ainda não está em pauta. O que temos agora é uma luta com relação à tramitação de papéis. Há um desafio administrativo de simplificar essa burocracia e tentar errar o mínimo possível. Estas questões estão integradas. A luta é a mesma no cotidiano, mas como estratégia é preciso separá-las.
O pagamento dos salários atrasados, no entanto, foi tratado como a questão fundamental a ser resolvida neste momento. “É basal que as pessoas passem a receber regularmente todo mês”, reforçou a professora Maria Carolina do CAp. A forma como pode se dar esse pagamento também preocupa os substitutos. Alguns chamaram a atenção para incidência do Imposto de Renda sobre os valores relativos a meses atrasados pagos de uma única vez.
Acordo Coletivo pode garantir os direitos dos atuais e futuros substitutos
A presidente da Asduerj, professora Cleier Marconsin, informou que a diretoria da entidade estará reunida na tarde desta quarta-feira, 18/12, com o Reitor eleito para o quadriênio 2020-2024, professor Ricardo Lodi. A precarização das condições de trabalho dos professores substitutos será um dos pontos da pauta.
Cleier lembrou do item 37 da Carta Compromisso firmada entre as entidades representativas de trabalhadores e estudantes com o futuro Reitor. O termo refere-se à regularização das condições trabalhistas dos professores contratados. A presidente da Asduerj mencionou também as tratativas com a nova Reitoria para atualização do Acordo Coletivo dos trabalhadores da Uerj. “É importante construirmos algo que tenha perenidade. A formalização a partir do Acordo Coletivo garante os direitos dos atuais e dos futuros substitutos”, complementou.
O estabelecimento de um limite quantitativo de professores substitutos por unidade foi outra preocupação levantada na primeira reunião do GT. “Não podemos estimular a utilização da força de trabalho precarizada dentro da universidade, como já aconteceu. Precisamos cobrar da Reitoria e do governo do estado a autorização dos concursos para cargos com vacância na universidade”, ressaltou a presidente da Asduerj.
Outra preocupação foi com a ampliação e o fortalecimento do GT. A diretoria reiterou na reunião o convite à filiação dos substitutos. Para isso, foi criada uma modalidade especial de adesão, a filiação solidária, em que o professor contribui com uma semestralidade de R$ 10 (dez reais). Entretanto, não será obrigatória a filiação para participar do GT.
Um Grupo de Whatsapp foi criado para facilitar a comunicação e a mobilização dos participantes do GT. Os interessados em participar devem enviar mensagens com a solicitação para o número (21) 98210-5292.
Uma nova reunião do GT do Professor Substituto deverá acontecer em fevereiro, após as férias dos docentes.