Os Centros Setoriais da UERJ vêm a público manifestar preocupação com a Representação de Inconstitucionalidade da Lei 8.267/ 2018, que representa uma ameaça ao Regime de Trabalho e fere o princípio constitucional da autonomia universitária.
A efetiva implementação do Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva na Uerj tem-se estendido por mais de 30 anos. É preciso lembrar que o Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva está previsto desde a Resolução 03/1991, que estruturou a carreira docente da Uerj, no período que compreende desde a promulgação da Constituição estadual até o advento da legislação estadual, conforme se lê na alínea C, do Art. 40 da referida Resolução: “dedicação exclusiva, com as obrigações de cumprir 40 (quarenta) horas semanais de atividades e de não exercer qualquer tipo de atividade remunerada em instituição pública ou privada, nem profissão liberal ou autônoma”.
O Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva, em consonância com o existente nas Universidades federais, estrutura-se fundamentalmente pelo impedimento de exercício de qualquer outro vínculo empregatício, na esfera pública ou privada. Assim, ao deixar de exercer a possibilidade da lícita acumulação de cargos, com o consequente recolhimento previdenciário para a obtenção de uma futura segunda aposentadoria, os servidores ingressantes em um Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva assumem compromisso estruturante para sua vida funcional e possibilidades futuras de aposentadoria.
A espera pela regulamentação do Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva na Uerj encontrou um novo marco normativo com a aprovação da Lei estadual 5.343/2008, que estrutura o Plano de Carreira Docente. No entanto, ainda que essa Lei tenha resultado de mais de 3 meses de greve, a implementação do Regime de DE também não se efetivou naquele momento. Como elemento fundamental para a suspensão da greve, a referida Lei previa, no seu Art. 5o, § 4o, que “Os Conselhos Superiores da UERJ realização (sic) estudos para que, ao final da implementação deste plano, seja instalado o regime de trabalho em dedicação exclusiva para os docentes da instituição, a ser estabelecido por lei específica”.
Assim, em 2012, diante do descumprimento do dispositivo previsto na Lei estadual 5.343/2008, a categoria docente se manifestou em novo movimento grevista, que enfim conquistou a implementação do Regime de DE. Mas a regulamentação dessa implementação impôs novas perdas para os servidores ingressantes no Regime de DE, já que, naquele momento, o governo estadual definiu a remuneração desse Regime como um “Adicional de Dedicação Exclusiva” e estabeleceu que o acesso a essa remuneração se daria gradualmente, por meio de uma subdivisão, em 3 (três) parcelas, do percentual total correspondente à Remuneração da DE.
Não podemos deixar de ressaltar a absurda condição que esse parcelamento gerou, já que os servidores ingressantes no Regime de DE tiveram que suspender imediatamente seus vínculos funcionais públicos ou privados, sem que obtivessem a remuneração integral do percentual, com evidentes perdas salariais.
Uma explícita demonstração da intenção do legislador de instituir um Regime de Trabalho, apesar da forma de pagamento definida, é a expressa indicação do desconto previdenciário sobre o percentual de remuneração relacionado à DE, conforme o Art. 5° caput da Lei 6.328/2012: “O Adicional de Dedicação Exclusiva – ADE não será computado para cálculo de qualquer outro adicional ou vantagem pagos ao docente e não se incorporará aos seus vencimentos, integrando a base de cálculo de imposto sobre a renda e contribuição previdenciária, sofrendo a incidência do limite remuneratório constitucional e integrando, de acordo com o disposto na Constituição da República, a base de cálculo para proventos de aposentadoria, conforme a regra aplicável a cada hipótese“.
É importante notar, neste caso, que, já em seu texto original, essa Lei determinava a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos. Como esse texto foi posteriormente aperfeiçoado pela Lei 8.267/2018, mantendo-se a necessidade de recolhimento de contribuição previdenciária, fica comprovada, de forma inequívoca, a vontade do legislador, desde o início, em caracterizar a natureza jurídica da Dedicação Exclusiva como vencimento habitual, distinto de adicional transitório “pro labore faciendo”.
À época, a justificativa apresentada pelo Secretário de Planejamento aos parlamentares estaduais para que a retribuição pela adesão ao Regime de DE se desse por meio de um Adicional se baseava no fato de que essa forma de pagamento pretensamente constituiria maior previsibilidade no cálculo de impacto orçamentário.
Mas a incidência de desconto previdenciário sobre o percentual de DE evidenciava um aspecto central na estruturação do referido Regime de Trabalho: o reconhecimento de que a adesão à DE resulta em um regime específico de trabalho, segundo o qual o servidor, impedido de exercer outros vínculos e de usufruir dos direitos trabalhistas a eles relacionados, passa a receber uma remuneração correlata a esse impedimento, remuneração esta que, por integrar de fato o vencimento básico do servidor, implica a definição de uma nova base para o cálculo dos proventos de aposentadoria.
Portanto, diferente do que parte do debate em curso tenta fazer crer, a adesão ao Regime não é transitória, mas uma escolha com impacto definitivo na vida funcional dos servidores docentes das Universidades públicas de todo o país.
Na contramão das garantias apresentadas à época, como se observou na sequência, a equivocada opção pela remuneração de um Regime de Trabalho por meio de um Adicional vem provocando perdas significativas tanto em termos funcionais, quanto em termos financeiros, visto que as demais vantagens não incidem sobre o percentual de DE.
Com o objetivo de cessar tais prejuízos, o movimento docente buscou corrigir as principais injustiças ainda persistentes na estruturação da carreira docente na Uerj. Mais uma vez, a justificativa da dificuldade em proceder ao cálculo de impacto retirou do projeto de lei a solução definitiva para o impasse produzido na legislação vigente.
Em 2018, após 2 (dois) anos de dura crise financeira do estado do Rio, o que nos impôs um longo período de não pagamento e parcelamento dos salários, uma nova greve retomou a necessidade de solucionar definitivamente o impasse criado em 2008, com a aprovação da Lei 8.267/2018, que efetiva a correta retribuição pelo Regime de Trabalho. Observando as imposições do Regime de Recuperação Fiscal, as demais vantagens permaneceram sem incidir sobre o percentual de DE, austeridade que é suportada de igual maneira tanto pelos docentes desta Universidade quanto pelos demais servidores do Estado do Rio de Janeiro, ao contrário do que tenta fazer crer a Representação de Inconstitucionalidade
ora em comento.
Como se pode perceber por todo o histórico apresentado, a efetiva implementação do Regime de Dedicação Exclusiva permanece gravemente ameaçada, submetendo nossa Universidade à possibilidade de retornar à vergonhosa marca de única Universidade pública do país sem um verdadeiro Regime de Dedicação Exclusiva.
Ressaltamos, por fim, que o grave retrocesso figurado na referida Representação se aprofunda, ao pretender fragilizar o princípio constitucional da autonomia universitária e o dever de regulamentação interna pelo Conselho Universitário.
Por essa razão, as Direções dos Centros Setoriais da UERJ se manifestam pela defesa da efetiva implementação do Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva dos servidores docentes e pela defesa irrestrita da autonomia universitária, condição para a sobrevivência da democracia em nosso país.
Atenciosamente,
Jorge José de Carvalho
Centro Biomédico
Nádia Pimenta Lima
Diretora do Centro de Tecnologia e Ciências
Dirce Eleonora Nigro Solis
Centro de Ciências Sociais
Bruno Deusdará
Centro de Educação e Humanidades