Projetos sob suspeita: Sessão Extraordinária do Consun aponta a urgência do debate sobre descentralização orçamentária

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Quase sete meses após sua instauração pela Reitoria da Uerj, a Comissão de Apuração dos Fatos e Responsabilidade em Projetos divulgou no dia 31/03 o relatório de sua investigação, numa concorrida sessão extraordinária do Conselho Universitário (Consun). O documento, no entanto, foi disponibilizado apenas poucas horas antes da sua apresentação, o que gerou críticas de conselheiros pela exiguidade de tempo para a análise do seu conteúdo.

Já no início de sua exposição, o professor Carlos Eduardo Guerra, um dos três componentes da Comissão de Apuração e o responsável pela apresentação do documento ao Consun, deixou claro que a investigação se restringiu aos projetos citados numa série de reportagens publicadas por um portal de notícias. As matérias apontam diversas irregularidades na execução destes projetos. “Os fatos que saíram na mídia são verdadeiros”, constatou. Para ele, no entanto, o problema seria apenas de gestão e “falta de cuidado”. “A universidade está acostumada com projetos, mas estes são diferentes. Têm uma descentralização direta de secretarias e, portanto, há falta de padronização, até mesmo de relatório”, afirmou Guerra. Destacou ainda que muitas vezes não há sequer documentação comprobatória da execução do projeto, corroborando as acusações de falta de transparência e publicidade.

Logo, a própria linha de argumentação utilizada pela Comissão deixa dúvidas se tais irregularidades se restringiram aos projetos citados na reportagem, ou se também ocorrem em outros financiados com descentralização de crédito orçamentário. Se é assim, ao focar unicamente nos alvos das reportagens, a Comissão perdeu a oportunidade de proporcionar uma visão mais ampla dos projetos financiados por essa modalidade orçamentária, como forma de prestação de contas à universidade e à sociedade, como um todo. Por outro lado, mesmo com seu trabalho restrito aos quatro projetos citados, a Comissão não obteve retorno de vários depoentes, tornando muito limitada a apuração das denúncias. Assim, permanecem as principais dúvidas e a Reitoria segue devendo esclarecimentos à comunidade universitária.

Orçamento descentralizado para Uerj cresce mais de dez vezes nos últimos três anos

A publicização do relatório no Consun, no entanto, serviu a uma salutar ampliação do debate, levantando questões não contempladas ou insuficientemente abordadas no documento oficial. Entre estas, a contratação de pessoas que tinham relações com políticos importantes e receberam remunerações de valor significativo por meio destes projetos. Segundo o relatório da Comissão, essas contratações foram feitas no âmbito das secretarias sem participação de servidores da Uerj. O fato foi lembrado pela Conselheira Renata Gama, que destacou a necessidade de se criar “mecanismo para que a nossa universidade em nenhum momento seja usada como barganha política”.

O aumento significativo dos valores do orçamento descentralizado para a Uerj nos últimos anos também chamou a atenção de membros do Consun. Em 2019, a Uerj recebeu pouco mais de 73 milhões por meio desse procedimento em que um órgão do Estado transfere a outro a possibilidade de utilização do seu orçamento. Já em 2022, a universidade recebeu mais de 879 milhões e 900 mil reais. “É um aumento muito grande. É da ordem da folha de pagamento completa da universidade. O que deveria necessariamente implicar um mecanismo de fiscalização bastante rigoroso. A universidade não engoliu uma mosca, foi um pterodátilo”, ironizou o conselheiro Guilherme Abelha.

Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que baseiam a administração pública, segundo o artigo 37 da Constituição Federal, foram evocadas pela Conselheira Lucia Helena Pedra para discordar da alegação do relatório de que não havia regras que balizassem os projetos financiados por descentralização de crédito orçamentário. “Isso não existe as regras gerais estão aí e precisam ser seguidas. É claro que foram infringidos os princípios básicos da moralidade e impessoalidade. Isso é caso de processo disciplinar. Isso deve ser tratado com rigor, para demonstrar que tal procedimento não é aceito nesta universidade”, afirmou.

Apesar das importantes contribuições dos conselheiros, não houve indicação por parte da Reitoria ou do representante da Comissão de que tais considerações seriam acrescentadas ao relatório final. Pouco antes da apresentação, o Reitor Mário Sérgio informou que o documento já teria sido enviado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e ao Ministério Público Estadual (MPRJ). Afirmou ainda que após a sessão o texto seguiria também para a Auditoria Interna, para a Procuradoria e a Corregedoria da Uerj.

Por outro lado, o debate no Conselho demonstrou ser urgente que este fórum máximo deliberativo da universidade faça uma discussão em plenário sobre a descentralização de crédito orçamentário, tendo em vista o volume e a forma como essa modalidade de financiamento vem sendo progressivamente utilizada. Vale destacar a importância de se reestabelecer o Consun como espaço de discussão e deliberação democrática da universidade, e não de mero espectador das ações da Reitoria.

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